O transplante de medula óssea (TMO) permite o uso dos recursos da quimioterapia e/ou da radioterapia em altas doses no tratamento de doenças malignas da medula óssea e de tumores sólidos, recorrentes ou metastáticos, nas quais o aumento da agressividade do tratamento, em níveis letais para a medula óssea, aumenta intensamente a eficácia antitumor. O TMO é utilizado também para condições de aplasia de medula (a medula não produz eficazmente as células sanguíneas), porém, nesses casos, o transplante só poderá ser alogênico (medula proveniente de doador compatível), não podendo ser autólogo.
Colhe-se um número adequado de células-tronco do paciente, que no caso de TMO autólogo, são a seguir congeladas e armazenadas. Tratando-se de TMO alogênico, as células coletadas podem ser infundidas no mesmo dia, mas também podem ser congeladas. Após o paciente ter sido submetido ao tratamento com quimioterapia e/ou radioterapia em altas doses, estas células são então nele infundidas para regenerar sua medula óssea danificada pelo tratamento.
Em outras palavras, o transplante de medula óssea autólogo é usado como um coadjuvante para “salvar” o paciente de uma dose de quimioterapia e/ou radiação, que por serem de alta dose, possuem uma maior eficácia antitumor, mas são mieloablativas, isto é, danificam a medula óssea. O transplante de medula alogênico, além da função descrita, também é utilizado para pacientes cuja medula não consegue mais produzir células-tronco, ou quando ocorre recaída da doença após o TMO autólogo, pois se espera que a medula do doador manifeste maior atividade antitumor (vigilância) do que a medula do próprio paciente.
O transplante de medula óssea com células-tronco hematopoéticas (stem cell)
periférico segue as etapas abaixo:
1 - Mobilização: estimulação do doador ou do paciente por meio de medicamentosque atuam células-tronco hematopoéticas (Stem Cells) da medula óssea e mobilizando-as para a circulação sanguínea;
2 - Monitorização: contagem de células CD34+ no sangue periférico para determinar o dia de se iniciar a coleta das células;
3 - Coleta de células-tronco no equipamento de aférese;
4 - Criopreservação das células-tronco coletadas (no TMO alogênico essa etapa pode ser suprimida);
5 - Condicionamento: aplicação de quimioterapia e/ou radioterapia em altas doses;
6 - Descongelamento, se as célula-tronco estiverem criopreservadas, e infusão das células.
As fontes de células-tronco hematopoéticas podem ser: medula óssea; sangue periférico; cordão umbilical.
a) As células de medula óssea são coletadas por punções nas cristas ilíacas (ossos da bacia) do doador/paciente em centro cirúrgico, aspirando-se o líquido medular;
b) As células do sangue periférico são coletadas por meio de equipamentos de aférese. Sobre este tipo de coleta daremos explicações mais detalhadas a seguir.
c) As células do cordão umbilical são coletadas do sangue do cordão antes ou após a remoção da placenta do útero.
1- Mobilização:
Em condições normais, o número de células-tronco circulantes é baixo. Menos de 0,5% das células do sangue periférico expressam o marcador das células-tronco, que é o CD 34. Estas células são chamadas células CD 34 positivas. Entretanto, elas podem ser mobilizadas da medula óssea para o sangue periférico, sob a influência de fatores de estimulação hematopoética. Para isso são usadas citocinas recombinantes, conhecidas como “granulocyte colony-stimulating factor” (G-CSF) ou “granulocyte/macrophage colony-stimulating factor” (GM-CSF), associadas ou não a quimioterápicos, pois a produção endógena de fatores de crescimento é aumentada pelo efeito de drogas citotóxicas (quimioterápicos). O maior número de células-tronco na circulação é alcançado dentro de 5 a 10 dias do início da mobilização, dependendo do protocolo utilizado para a mobilização e das características do paciente ou da doença.
2 - Monitorização de células CD 34 +:
O dia de início dos procedimentos de coleta de células-tronco depende do protocolo utilizado para mobilização e da resposta do paciente ou doador à mobilização. A quantidade de procedimentos de coleta depende da resposta do paciente ou doador à mobilização, da quantidade de células pretendidas, do número de volemias sanguíneas processadas no equipamento de aférese, etc. A população de células-tronco hematopoéticas está incluída na população de células que apresenta o marcador CD 34. Assim, a contagem por citometria de fluxo dessas células no sangue periférico (Monitorização) é o meio utilizado para determinar se é o momento de iniciar a coleta de células-tronco. Quando a quantidade de células CD 34+ no sangue periférico ultrapassa o valor de 10 cels./mm 3, já é conveniente que se inicie a coleta das células-tronco do paciente ou do doador. Há raras situações onde este número pode não ser atingido e, portanto, fica inviabilizada a coleta de células-tronco naquele momento, levando, às vezes, a uma posterior remobilização do paciente, ou pode ser discutida a possibilidade da coleta por aspiração da medula óssea em centro cirúrgico, ou a busca de um doador compatível (aparentado) ou mesmo em algumas situações, ao cancelamento do procedimento.
3 - Coleta de células-tronco hematopoéticas do sangue periférico:
Este procedimento é seguro, e é realizado por meio do equipamento de aférese, o qual efetua a separação dos diferentes componentes sanguíneos, com base na diferença de peso específico (densidade) dos mesmos, isto é, por centrifugação. O doador/paciente fica comodamente sentado em uma poltrona reclinável, e por uma punção em veia do braço ou, no caso de paciente, normalmente por uma via do cateter de duplo lúmen, previamente instalado, o sangue é continuamente aspirado para um circuito plástico estéril e descartável (kit), instalado no equipamento de aférese e continuamente centrifugado e devolvido ao doador/paciente, enquanto o componente de interesse vai sendo coletado em uma bolsa plástica. Assim, se processa duas ou mais vezes o volume sanguíneo do doador/paciente retirando cerca de 200 ml do produto com as células-tronco e igual volume de plasma que será utilizado no processo de criopreservação, com duração de 3 a 4 horas por procedimento de coleta.
Terminada a coleta, o produto é encaminhado para contagem de suas células CD 34+. Dependendo do protocolo, recomenda-se um número mínimo 2,5 - 3,0, até 5,0 x 10 6 células CD 34+ por quilograma de peso do paciente como a dose alvo suficiente. Entretanto, há protocolos que recomendam que se colha um pouco mais ou até o dobro deste número, a fim de obter células suficientes para um eventual segundo transplante (“back-up”). As sessões de coletas por aférese são continuadas diariamente até que se obtenha o número adequado de células. A quantidade de sessões de coleta tanto poderá ser de apenas uma, duas, três ou, raramente, mais vezes.
4 - Criopreservação:
No caso de TMO alogênicoque não será necessário o congelamento das células, uma amostra do produto coletado é encaminhada ao laboratório para serem contadas as células CD 34+ e no caso de TMO autólogo, além da contagem das células CD 34+, o produto é também submetido ao processo de criopreservação (armazenamento em baixas temperaturas). Para isso, mistura-se no laboratório uma substância denominada Dimetil Sulfóxido (solução crioprotetora ou criopreservante) com o plasma autólogo (do próprio paciente/doador) coletado concomitante à coleta das células. O material é então dividido em pequenas bolsas, que são a seguir congeladas, permanecendo viáveis de 2 a 3 anos, as vezes até mais tempo.
5 - Condicionamento:
Tratamento quimioterápico e/ou radioterápico em altas doses com o intuito de se destruir eficazmente as células neoplásicas (doentes). Existem diferentes protocolos para diferentes doenças. É, na realidade, o tratamento propriamente dito.
6 - Descongelamento e Infusão:
No caso de TMO alogênico, se não for necessário o congelamento, o material coletado do doador é infundido no paciente no mesmo dia, e as que estavam criopreservadas, no caso de TMO autólogo, são descongeladas e reinfundidas. Este procedimento de infusão é realizado no próprio quarto do paciente como se fosse uma transfusão de sangue. A duração desse procedimento é de 1 a 2 horas, dependendo do volume que será infundido.
7 - Pega da Medula Óssea:
Seguindo-se a infusão, as células-tronco, por um tropismo próprio (afinidade), alojam-se na medula óssea do paciente, e após cerca de 9 a 15 dias após a infusão, voltarão a produzir gradativamente os elementos sanguíneos novamente. Esse dia é identificado pela contagem do número de glóbulos brancos no sangue do paciente, pois são os primeiros elementos a serem produzidos pela medula óssea nova. O dia em que o número ultrapassa definitivamente a contagem de 500 leucócitos por milímetro cúbico é considerado o dia da pega da medula. Após a quimioterapia e/ou radioterapia e enquanto a medula nova não estiver produzindo os elementos sanguíneos novamente, o paciente necessita de um suporte transfusional do Banco de Sangue (transfusão de hemácias e de plaquetas).